Venha ver (de longe) a cultura patense

 Por Caio Machado

Assisti Central do Brasil em 1998, aos sete anos de idade. Cresci num lar privilegiado (culturalmente, não financeiramente) onde meu pai, além de nos prover com teto e comida, nos contemplava com muita literatura e cinema. Em tenra idade, senti pela primeira vez o quão grandioso era o cinema nacional e o quanto o bem pode combater até a mais gananciosa e fria das pessoas.

As atuações magnéticas de Fernanda Montenegro e da saudosa Marília Pêra quase saltavam para fora da tela, mas o gurizinho que protagonizava o filme não ficava nada atrás. Tenho certeza de que a coragem e a verdade que ele conseguiu demonstrar na pele de Josué influenciaram milhares de crianças brasileiras a agirem corretamente em inúmeras circunstâncias, além de formarem o caráter de muita gente Brasil afora.

Central do Brasil é uma obra praticamente perfeita. Não é nem preciso falar da trilha sonora estonteante de Antonio Pinto e Jaques Morelenbaum (que hoje, inclusive, assistem à ascensão musical de suas filhas, Manu Julian e Dora Morelenbaum, respectivamente), e muito menos de Walter Salles, o maior e mais celebrado diretor brasileiro vivo. Mas este texto está sendo escrito para falar especificamente daquele garoto, que por sinal se chama Vinícius de Oliveira, e de quem eu não ouvia falar provavelmente há 27 anos.

O menino, que nem sonhava em ser ator, era engraxate quando foi visto por Salles e contratado para atuar. Como sabemos, o cinema, a TV, a música, a literatura e tudo o que envolve cultura neste país, pode ser algo desolador e cruel para muitos artistas brilhantes. Muitos alcançam o estrelato a duras penas e depois desaparecem. E com eles se vão sonhos e anseios que se confundem com utopias nesse mar de esquecimento e desvalorização que é o fazer cultural no Brasil.

Não que esse seja o caso do Vinícius. Só porque eu nunca mais o vi atuando, não quer dizer que ele não esteja vivendo de cultura neste país tão aterrador e ingrato com seus artistas. Numa rápida pesquisa no Google dá pra ver que ele se envolveu em muitos projetos cinematográficos e televisivos.

Mas vamos ao que interessa.

Neste exato momento em que redijo este artigo opinativo, Vinícius está participando de uma roda de conversa debatendo Central do Brasil com pessoas que tiveram o grande privilégio de comparecer ao CineClube Vemvê — evento que acontece até sábado no Centro Universitário de Patos de Minas.

Vinícius é a grande atração de um festival que surge na cidade com a premissa de difundir e principalmente estimular o consumo de cinema regional, sobretudo nacional. A grande ironia é que o evento ocorre de segunda a sexta, em pleno horário comercial.

Também neste exato momento, eu, milhares de patenses apaixonados por cinema e um sem-número de trabalhadores estamos enfurnados em escritórios, estabelecimentos comerciais, obras e sabe-se lá mais onde, perdendo esta imersão cinematográfica (sem dúvidas, maravilhosa) por simplesmente estarmos trabalhando e tentando sobreviver.

Quando vi essa incongruência na programação, imediatamente contatei o organizador para cogitar se poderiam mudar o horário para um momento mais acessível. E não obstante, ele se limitou a dizer que eu poderia prestigiar o festival no sábado (depois de perder cinco dias para o capitalismo). E claro, eu não consigo colocar em palavras a minha decepção...

Detesto pagar de sabichão ou de pedante, mas sou artista nesta cidade há quase 20 anos — e, para piorar, artista underground. Sou colecionador de experiências frustrantes envolvendo a decrépita cultura local. Por exemplo: toquei em bandas punk em eventos realizados em porões de bares da Major Gote, onde, contando com os integrantes das bandas, mal apareciam 50 pessoas.

De lá pra cá, me formei jornalista e, de forma voluntária, criei este utópico jornal cultural cinco anos atrás, no singelo intuito de propagar a cultura independente da cidade, totalmente ciente de que teria pouquíssimos acessos e baixíssima adesão, e de que a própria classe cultural não se importaria muito com o fato de ver o trabalho dos amigos sendo divulgado por aqui.

Costumo dizer para meus amigos que, nos eventos culturais que estamos habituados a frequentar, vão sempre “as mesmas trinta pessoas”. E eu gostaria muito de estar brincando. Mas, para além do baixo interesse do poder público que poderia incentivar e financiar mais, do ego que afunda e das disputas entre artistas, existe todo um contexto marginalizado em se produzir arte autoral numa cidade do interior.

Falo isso com a propriedade de quem vive isso há quase duas décadas. Por isso, quando vi a programação deste cineclube, achei que alertar sobre o horário nada democrático era o mínimo que eu poderia fazer, valendo-me de toda a experiência adquirida em eventos culturais fracassados ou que deixaram de existir por falta de público. Infelizmente, não fui ouvido... e olha que eu não fui o único a reclamar.

Como disse minha amiga Juliana sobre essa situação, é um desrespeito até com o próprio Vinícius se deslocar de onde quer que seja até Patos de Minas e não encontrar um público maior para prestigiar tudo o que ele tem a compartilhar sobre atuar em um filme brilhante, ao lado de alguns dos maiores nomes da história do audiovisual brasileiro. Não que quantidade indique qualidade, mas é, no mínimo, um desperdício que mais pessoas não possam usufruir de um recorte de tempo tão ímpar para a cultura local.

Não faço ideia de como está a adesão ao evento, mas se há cem pessoas lá neste momento, poderia haver pelo menos o triplo, caso o festival tivesse sido realizado às 19h ou inteiramente no fim de semana. Mas quem sou eu para palpitar? Nunca me atrevi a organizar um evento cultural e não entendo as razões para que este esteja acontecendo neste horário e contexto.

Ainda assim, me parece no mínimo imprudente que seja dessa maneira. Mas desejo veementemente que a iniciativa dê certo, para que oportunidades futuras possam acontecer (quem sabe, em horários melhores). Nesse interim, a grande ironia disso tudo é que realizar um cineclube num horário em que quase ninguém pode participar me parece ter a mesma eficácia que fingir escrever cartas para pessoas analfabetas numa estação de trem e nunca as enviar.


Caio Machado é bacharel em Jornalismo pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Jornalismo Digital, além de editor-chefe do Jornal de Patos é produtor musical e artista independente.

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2 Comentários

  1. Pois é, Caio, um evento como esse, tão importante para a cultura local, mereceria horários condizentes com a realidade do público que gostaria, certamente, de participar. Uma pena que não foi possível, sei lá eu por quais razões. De qualquer forma, saúdo os organizadores pela promoção do evento e da ótima ideia de trazer o Vinicius para contar a experiência dele. Mas sugiro que fiquem atentos ao fato de que uma boa ideia só não basta. É preciso expô-la em horários em que o público tenha maior disponibilidade possível para comparecer. Bom lembrar ainda que debate cultural em cidades do interior como Patos de Minas tem, infelizmente, apelo restrito que precisa ser potencializado. Horário comercial torna-se fatal.
    Vida longa à cultura local e ao Jornal de Patos, veículo fundamental para o meio artístico e a arte produzida em nossa cidade. Grande abraço. Até jazz!.

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  2. Desculpe, Caio, o comentário acima não é para ser anônimo. Faço questão de assinar. Obrigado, José Humberto Fagundes!

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