Caso de escravidão em Patos de Minas não impressiona ninguém

Por Caio Machado

Madalena Gordiano / Reprodução: Globoplay

Não vou perder tempo parafraseando a reportagem do Fantástico sobre o caso da escravidão de quase quatro décadas de Madalena Gordiano exposta por uma reportagem do programa. Os jornais da cidade já fizeram isto e nesta altura do campeonato todo mundo já assistiu à repugnante história apurada pela Globo.

Patos de Minas protagonizou mais um caso de racismo. Sim, isto está intrinsecamente ligado à nossa herança colonizadora e racista e por mais que a escravidão negra tenha sido tardiamente abolida em solo brasileiro, ainda nos deparamos com frequência a incidentes do mesmo tipo por todo o país, como agora na própria capital do milho.

Por mais chocante que possa parecer, não será o primeiro e nem o último caso de racismo estrutural que acontece na cidade. Exemplificarei a normalidade da situação a seguir, citando três casos que tive o desprazer de noticiar ou presenciar enquanto trabalhava em outro veículo de comunicação de Patos de Minas:

Em 2017, assistimos a recém-eleita princesa do milho Maria Angélica Gonçalves Faria alegando ao vivo durante uma entrevista para a NTV que havia sido derrotada na competição de beleza da Fenamilho porque “infelizmente os jurados avaliaram mais a cor” da vencedora Iara Santos.

A naturalidade com que ela disse que “essa questão de muita igualdade, de nunca ter tido uma rainha negra” reflete como vivemos numa cidade racista. O incidente causou certo burburinho na cidade, apareceu em jornais de renome do país, mas logo foi esquecido. Repito, não se trata de um caso isolado. 

Em 20 de novembro de 2019, um homem de 55 anos foi preso praticando injúria racial na Farmácia Municipal de Patos de Minas, após importunar e puxar uma das funcionárias. Durante o ato, pasmem, em pleno Dia da Consciência Negra, ele disse que “preto não é gente e não presta”.

No começo do mês de março de 2020, pouco antes da pandemia virar o planeta de cabeça pra baixo, a estudante de Direito do Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam) Mariana Rita de Oliveira foi chamada de macaca por uma colega de sala, que ainda a ameaçou dizendo que iria agredi-la fisicamente em Carmo do Paranaíba.

A agressora disse que ela deveria estar lavando uma senzala, que alisar o cabelo não a tornaria melhor e que ela continuaria tendo o mesmo cérebro de “macaca”, que ela veio de uma raça ruim e sentenciou ainda que “A escravidão acabou, mas vocês ainda continuam sendo pretas”, se referindo a filha de Mariana.

Na ocasião, a aluna foi suspensa por apenas 15 dias pelo centro universitário privado e diversos patenses e universitários da instituição de ensino cobraram nas redes sociais que a aluna que praticou a injúria racial fosse pelo menos expulsa. Novamente a história foi esquecida.

O Unipam volta a protagonizar um caso de racismo estrutural, pois Dalton Cesar Milagres Rigueira, suspeito de atuar como escravagista e encarcerar Madalena Gordiano em um apartamento no centro de Patos de Minas é professor de Zootecnia no centro universitário.

Até o fechamento deste artigo, às 1h19 minutos de 21 de dezembro de 2020, a instituição de ensino não havia se pronunciando nas redes sociais e nem pelo site oficial. Em compensação, centenas de comentários estão sendo publicados nas postagens mais recentes do Facebook e Instagram do Unipam e diversos tweets sobre o assunto estão sendo publicados no Twitter.

Os internautas cobram um posicionamento do centro universitário, pedem a demissão do professor e os acusam de serem omissos e até mesmo cumplices do professor envolvidos no caso. Alguns usuários do Twitter alegam até que o Unipam teria apagado comentários referentes ao assunto nas redes sociais.

Não consigo confirmar que nenhum comentário tenha sido apagado pela própria instituição e creio que a assessoria de comunicação da mesma esteja se desdobrando para redigir uma nota de repúdio sobre o caso. É o mínimo que eles deveriam fazer, além de claro, demitir o professor envolvido.

Quem caminha pelos corredores do Unipam não se depara com muitas pessoas negras nos quadros de formandos que embelezam as paredes dos blocos do campus. Não é culpa deles que o número de negros no ensino superior seja menor do que o de brancos, mas sim do nosso passado escravagista e do nosso presente racista.

Passado escravagista? O caso Madalena Gordiano, assim como inúmeros outros que surgem à tona por meio de investigações policiais e reportagens jornalísticas nos levam a crer que a escravidão nunca foi de fato erradicada de nosso país. Infelizmente, pelo andar da carruagem, a situação só parece piorar.

A verdade é que este caso de escravidão em Patos de Minas não impressiona ninguém. Os três exemplos citados acima até se tornaram reportagens breves, por vezes irrelevantes em sites de notícias, mas o que não presenciamos e o que acontece na surdina provavelmente deve ser ainda pior.

Este assunto precisa ser debatido e ganhar repercussão na cidade, sem que outra pessoa em situação análoga à escravidão precise ser libertada e apareça numa reportagem triste do Fantástico ou algo que o valha. Sem que outros negros sejam vítimas de racismo e não tenham a quem ou a o que recorrer.

Nosso entorno comprova a urgência disto: dificilmente vemos pessoas negras ocupando cargos de destaque na cidade. É só olhar para a Câmara Municipal e vermos como elegemos apenas um vereador negro nas últimas eleições e como pautas sobre representatividade racial raramente surgem para serem votadas.

É nossa obrigação discutir o assunto e jamais sermos omissos em situações que podemos fazer a diferença. Como disse a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: “Racismo nunca deveria ter existido, então você não deve ganhar um biscoito por ajudar a reduzi-lo”. Devemos combate-lo sem esperar sermos recompensados.

Patos de Minas nos envergonha neste momento. A omissão de quem sabia da situação de Madalena é repugnante, mas as pessoas desconhecidas que colaboraram para que o caso viesse à tona são as centelhas de esperança que precisamos para acreditar que algum dia poderemos avançar como sociedade.

...

Este conteúdo foi possibilitado por diversos financiadores, dentre eles, a Liliane Borges. Faça como ela e apoie o jornalismo independente colaborando com doações mensais de a partir de R$5 no nosso financiamento coletivo do Catarse: http://catarse.me/jornaldepatos

Postar um comentário

6 Comentários

  1. De onde tiraram a conclusão que esse caso não impressiona ninguém? Eu heim!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, o título é irônico devido ao fato de vários incidentes racistas ocorrem na cidade. Obrigado por acompanhar o jornal!

      Excluir
  2. "...não impressiona ninguém..".. Péssimo. Não se pode colocar um sentimento exclusivamente seu como sendo coletivo. Tão grave como o caso, foi o MPT e Policia Federal excluírem os outros veículos de impressa. Pela relevância o sensato seria uma coletiva.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Luis Vitor, decidi utilizar um título irônico para ilustrar como incidentes racistas acontecem com frequência em Patos de Minas. Não quis representar este sentimento de forma coletiva. De toda forma, é um artigo de opinião e representa apenas a minha opinião como colunista. Entretanto concordo com sua colocação sobre não ter havido uma coletiva para do MPT e Polícia Federal para tratar sobre o assunto. Obrigado por ler o texto!

      Excluir
  3. Agora mesmo irão culpar o colunista de cúmplice dos escravocratas. Pelo menos leram o texto?

    ResponderExcluir
  4. Olá Caio! Bom artigo descrevendo outros casos de racismo estrutural em Patos. É uma boa chamada pra ação e está óbvio que é mais do que urgente discutirmos a situação de invisibilidade e violência contra a população negra da cidade. Também é importante que um veículo de divulgação e formação de opinião faça essa chamada pra ação, talvez a gente consiga movimentar alguma coisa a partir daqui pra colocar exigências de representatividade racial em pauta?
    Eu tenho apenas uma crítica: "Quem caminha pelos corredores do Unipam não se depara com muitas pessoas negras nos quadros de formandos que embelezam as paredes dos blocos do campus. Não é culpa deles que o número de negros no ensino superior seja menor do que o de brancos, mas sim do nosso passado escravagista e do nosso presente racista."
    Eu entendo que isso foi um comentário sarcástico, mas na verdade, é culpa deles sim! É surreal que em pleno 2020 na Unipam não exista nenhum tipo de bolsa voltada para a entrada de alunos negros, ou de poucas condições econômicas. A única bolsa oferecida pela Universidade é uma premiação meritocrática para alunos que ficam em primeiro lugar no vestibular, que normalmente são pessoas que fazem cursinho particular, etc etc etc. Não existe incentivo nem para a entrada dessas pessoas na universidade, quanto mais para sua permanência ou para que elas não sejam maltratadas ali. Que eu saiba até agora o que eles fizeram foi apenas afastar o escravagista Dalton Cesar, nem demitir, ou seja, todos concordam, menos que o mínimo do que se esperava dela. A comunidade precisa se posicionar contra essa cumplicidade da Unipam!!!

    ResponderExcluir

Obrigado por comentar!