O que a parede do gabinete do prefeito diz sobre a cultura em Patos de Minas

Por Caio Machado

Reprodução: Instagram / Moisés Salvador

No dia 15 de maio, o artista plástico Moisés Salvador revitalizou o gabinete do prefeito com uma pintura que reúne o Coreto Municipal, a Catedral de Santo Antônio e o Homem do Balaio. O trabalho repercutiu em alguns jornais da cidade após o prefeito Luís Eduardo Falcão publicar um vídeo sobre o feito no Instagram.

Segundo o prefeito, o trabalho foi doado por Moisés Salvador e a escolha dos símbolos que foram pintados foi feita com o apoio da arquiteta Vânia Porto. Meses atrás, com a notícia de que os quadros dos ex-prefeitos de Patos de Minas seriam transferidos, ficou no ar o que aconteceria com o paredão... e aqui estamos.

Achei a iniciativa bem interessante, pois reafirma a importância cultural dos cartões postais escolhidos para figurar na parede e ainda dá a entender que o jovem gestor Falcão nutra certa admiração pelas artes plásticas ou pelo menos por algum tipo de apelo estético.

O que eu não comprei foi a ideia de que o trabalho valorize a arte patense, já que o próprio pintor – aparentemente por livre arbítrio - não tenha sido remunerado. Não conheço o Moisés e nem sei que tipo de acordo foi firmado para que ele pintasse, mas sei que a falta de remuneração é um dos maiores estigmas a serem quebrados na arte.

Vou usar o exemplo da parede do gabinete como um comparativo, talvez até metafórico, para ilustrar o que acontece com a cultura em Patos de Minas. Artistas pequenos - talvez não seja o caso de Moisés, que eu disse desconhecer -, precisam trabalhar de graça para que algum dia (quem sabe) se tornem conhecidos.

Acontece isso nos bares com música ao vivo, com as companhias teatrais, que até outro dia nem contavam mais com o teatro municipal para se apresentar, com os fotógrafos iniciantes que buscam por modelos gratuitos, etc. Muitos desistem no meio do caminho porque sequer conseguem prosperar.

Entrevistei a Regina Maria, idealizadora do Balaio de Arte e Cultura para a próxima edição do Coreto Podcast e me choquei com a seguinte sentença feita pela gestora cultural. “Muitos artistas transformam a arte num trabalho de fim semana”, porque obviamente, eles precisam trabalhar em outra coisa para se manterem.

Após quase um ano trabalhando exaustivamente para a cultura da cidade aqui no Jornal de Patos, eu praticamente não encontrei quase nenhum artista patense que viva exclusivamente da própria arte. E essa desvalorização do segmento soma para que essa situação tenda a nunca melhorar.

O primeiro entrevistado do site, inclusive, é porteiro de uma universidade privada! Sim, o mesmo José Vilmar que acabou de expor pela segunda vez no Videoformes, um festival internacional de vídeo realizado na França, não vive exclusivamente da própria arte, que aparentemente só é reconhecida fora da própria cidade e do próprio país.

O que me faz lembrar do auxílio emergencial prometido pela prefeitura à classe artística patense, que passa por maus bocados depois de mais de um ano de pandemia. E eu até me questiono se o benefício de 600 reais prometido pela Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer irá fazer alguma diferença.

Afinal, se a maioria dos artistas da cidade trabalham com outras coisas, eles sequer seriam elegíveis para receber o benefício. E aqueles que realmente pararam de trabalhar com arte durante a pandemia, provavelmente recebem o auxílio emergencial do Governo Federal ou de forma cíclica, procuraram emprego em outra área.

De toda maneira, o benefício foi prometido verbalmente para este mês, que já caminha para o fim e nenhum tipo de esclarecimento foi dado pelo prefeito ou por Ivan Rosa, atual secretário de cultura. Não dá nem pro artista (que realmente precisa) se planejar com a ínfima verba, já que nada é repassado.

Não que os 600 reais fossem fazer diferença, pois em questões de sobrevivência mal garantiria um mês para contas básicas como alimentação, água e luz, quiçá para a aquisição ou manutenção de instrumentos musicais, câmeras de vídeo, figurinos teatrais, estruturas de som e iluminação, dentre outros.

No ano passado, foram realizados dois eventos culturais que premiaram e subsidiaram a participação dos artistas em festivais e mostras online. Me refiro ao concurso “Patos Coração e Chão”, produzido com recursos dos fundos de cultura e de patrimônio e dos eventos promovidos com a verba obtida pela Lei Aldir Blanc.

Fomentar a produção cultural de um setor que já se sustenta com trabalhos paralelos e de quebra, confeccionar obras de arte que somariam um legado à cidade de Patos de Minas, me parece mais viável do que querer subsidiar pessoas com um simbólico pagamento mensal que apenas quebraria o galho. 

Isso poderia ter sido feito com a edição vindoura da Fenapraça, que não aconteceu no ano passado, mas que este ano será realizada online. As gravações das apresentações do evento acontecerão no fim da próxima semana e aparentemente ninguém ficou sabendo, já que nada do assunto veio a público.

E a informação que corre por aí é a de que os artistas já foram escolhidos e que apenas alguns segmentos serão remunerados. O rap e a dança de rua, por exemplo, não irão receber. A meu ver, isso soa quase como uma gentrificação cultural, pois se trata de estilos que já nasceram marginalizados na sociedade.

Outra coisa que incomoda é a ausência de um processo de seleção para que todos os artistas da cidade pudessem se inscrever para participar. O secretário de cultura se justifica dizendo que nunca houve nenhum tipo de edital para as apresentações da Fenapraça, mas que ano que vem pretende inserir algo do tipo. Esperar para ver.

Ser artista em Patos de Minas dá muito trabalho, e é natural que a maioria desista antes de começar a colher os frutos. E não me espanta dizer que diversos outros artistas, que após tantas portas fechadas na cara, ainda se submeteriam a ilustrar de graça a parede do gabinete do prefeito ou mesmo de  outros locais públicos!


Caio Machado é bacharel em Jornalismo pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Além de editor-chefe do Jornal de Patos, também atua como produtor musical e artista independente.

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3 Comentários

  1. Amo esta cidade. Minha Aldeia, mas ela nunca chegará a ser apenas uma fotografia na parede, como a inexistente Itabira de Drummond...Por que aqui é Patos ou Paris? Ou Patos e Paris? Talvez chegue até ser Paris, mas o dolente, ops, o doente Paranaíba não é nenhum Ribeirão do Carmo nem o Sena. Mas infelizmente, Patos em termos de artes e artistas, nunca chegara a ser uma Florença - não que não haja artistas de todas artes, há sim, em quantidade e qualidade -, mas poderia haver mais, se fosse uma Firenze...a cidade que durante o Renascimento foi a que provavelmente teve o maior número de artistas por metro quadrado em todos os tempos. E lá ninguém trabalhava ou exercia o seu mister de graça. Nunca seremos uma Florença...

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  2. Sonho em um dia ver os artistas de Patos recebendo por seu trabalho tão importante a cidade. Cidade sem movimento artístico é cidade morta.

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  3. Me sinto parte dessa voz que quer mudanças na cultura e na valorização da arte em todos os sentidos.
    Mas embora meu nome, minha imagem, e minha arte estejam na reportagem, não compactuo com as palavras.
    Gostaria de ter sido ouvido, ter tido a oportunidade de ser conhecido pelo escritor e poder expressar o significado e a intenção de tudo que fiz. Ao ter meu trabalho conhecido por milhares de pessoas através da divulgação que foi feita eu estou tendo a oportunidade de conseguir vários novos trabalhos, então foi muito melhor do que o pagamento puro e simples. E receber todas as palavras positivas e de incentivo da saciedade Patence só me deram ainda mais força pra continuar.
    A comunicação é tudo mas a falta dela é pior ainda.
    Entendi que o texto não é sobre mim mas me senti usado pra fins que não são meus ideais.
    Me coloco a disposição pra dialogar. Acho incrível o ouvir e o falar isso gera o entendimento!

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