Vereador patense transforma luto em discurso homofóbico

Por Caio Machado

Reprodução / Instagram

A assessoria de comunicação da Câmara de Patos de Minas publicou uma imagem do humorista Paulo Gustavo no Instagram, em homenagem ao Dia das Mães. Na foto, o ator que faleceu em decorrência de COVID-19 no último dia 04 de maio, aparece interpretando a personagem Dona Hermínia, do filme “Minha mãe é uma peça”.

A publicação aparentemente incomodou o vereador José Luiz, que questionou se a Câmara não deveria ter feito algo mais profundo e dedicado às “verdadeiras mães”. O parlamentar ainda sugeriu que o órgão estaria sendo utilizado como “extensão da militância esquerdista”, o que eu sinceramente achei hilário.

Declaradamente bolsonarista, o vereador do Podemos se elegeu por meio desse discurso, que numa cidade cujo eleitorado de Jair Bolsonaro se estende por mais de 70% dos votos válidos, é praticamente chover no molhado. E nada mais natural que a figura de um homossexual ofender José Luiz, é o modus operandi bolsonarista.

A ausência feminina no teatro remonta desde os primórdios do mesmo, em que homens atuavam em papeis de ambos os gêneros e as mulheres não passavam de meras reprodutoras. Elas só foram ganhar espaço nas artes cênicas com o surgimento da Commedia Dell’arte no século XVII.

Aliás, tudo conquistado pelas mulheres levou séculos para se consolidar e ainda é um processo que ocorre muito devagar, veja por exemplo a falta representatividade delas na política, citando como exemplo a própria Câmara de Patos de Minas que conta apenas com uma vereadora eleita nas últimas eleições.

Isso por si só, é mais problemático do que em 2021, alguém - que deveria estar fazendo algo para mudar esta discrepância dos espaços e cargos de poder ocupados majoritariamente por homens - se enfurecer com um ator interpretando uma mulher no cinema, e mais especificamente uma mãe.

Não que eu esperasse a capacidade de um bolsonarista em separar a ficção da realidade, mas é que chateia perceber que pessoas tão jovens não consigam discernir em pleno século XXI, o que deveria claramente ser compreendido como uma personagem ficcional humorista feminina interpretada por um homem.

A primeira vez que ouvi falar de José Luiz foi em 2017, quando o primeiro outdoor enaltecendo a figura de Bolsonaro surgiu em Patos de Minas. Ele fazia parte de um grupo de direita que se mobilizou para estampar a cara do futuro presidente pela cidade. Não fazia ideia de que Bolsonaro iria vencer e nem que ele iria se candidatar a vereador.

Aqui estamos em 2021, com o “mito” na presidência e José Luiz ocupando um dos assentos da Câmara. Nada mais natural do que vê-lo fantasiando a ameaça comunista em um mero post do Instagram, que tem muito mais a ver com empatia à uma pessoa falecida, do que necessariamente com o Dia das Mães.

Paulo Gustavo é um entre os mais de 422 mil mortos pela doença endossada e patrocinada por Jair Bolsonaro, que negligência tudo o quanto pode e atua como garoto propaganda do Coronavírus, desinformando, receitando medicamentos ineficazes e difundindo a doença, ao invés de combate-la. Nenhuma novidade...

Os seus seguidores agem de forma igual e alguns até morrem nebulizando cloroquina, por novamente serem inaptos em discernir a realidade da ficção. Vai entender. Bolsonarista não sente mais empatia, não fica de luto, não questiona a verdade, não enxerga adiante e age puramente pelo mais “profundo e dedicado” ódio.

Independente do espectro político, entendo perfeitamente que a pessoa que preferiu utilizar a imagem da Dona Hermínia na publicação do Instagram, ao invés de uma mãe “de verdade” estava sendo puramente solidária. Quem não estaria em um país cujo número diário de mortos em decorrência da COVID-19, ultrapassa os três mil?

Celebrar o Dia das Mães num momento em que o país vive um atentado ao World Trade Center por dia nem deveria ser cogitado. Fico me questionando se o Zé Luiz teria agido meramente pelo ódio homofóbico esperado de um bolsonarista e sequer ligado os pontos de que a imagem de Paulo Gustavo também representa o luto.

É lamentável que o vereador esteja despendendo energia e estimulando um debate tão parco como esse, num momento em que a solidariedade deveria ser maior do que tudo. E mais triste ainda constatar que esse tipo de comportamento apenas fideliza o eleitorado dele que pensa da mesma maneira...

O que me conforta é saber que Paulo Gustavo passou os 42 anos em que viveu arrancando sorrisos das pessoas e que a Dona Hermínia, interpretada ou não por um homem, fez muito mais pelas figuras maternas do que muitos políticos autocentrados, que apenas conseguem arrancar lágrimas e esmiuçar vidas humanas.


Caio Machado é bacharel em Jornalismo pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Além de editor-chefe do Jornal de Patos, também atua como produtor musical e artista independente.

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4 Comentários

  1. Acho tão engraçado as preocupações dos vereadores patenses, enquanto uns que se dizem preocupados em fazer algo pela cultura da cidade votam escondidos pelo o aumento dos seus salários ( Que já são pra lá de " gordos") e fingem depois em suas redes sociais o contrário, outros como esse senhor José Luiz anda por aí preocupado com arte de dia dia das mães e alucina com possível ataque comunista. Tudo isso em pleno ápice da pandemia. Continuamos a pé com o poder público.... A propósito ótima matéria.

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  2. Parabéns, Caio. Texto oportuno e muito bem articulado. Concordo com você e assino embaixo.
    Jô Drumond

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  3. não nos representam, fogo nos homofóbicos!

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