Se abraços curassem pandemias...

Por Caio Machado


Nunca fui de sair abraçando as pessoas. Por mais prepotente que dizer algo do tipo no meio de uma pandemia possa parecer, não o clamo para sugerir que gostaria de estar abraçando amigos e familiares, mas sim, para relatar que sinto falta de calor humano e de que como as coisas costumavam ser.

Claro que para muitas pessoas, as coisas sequer deixaram de ser como eram antes, com exceção de ter de higienizar as mãos com mais frequência, ou de ter que usar máscaras – no queixo - para entrar em estabelecimentos comerciais. De resto, está tudo igual. Ninguém se importa.

A minha falta de intimidade e contato físico não me faz amar menos as pessoas, porém algumas delas insistem em avacalhar.

Todo mundo tem um parente que visita a família diariamente e age como se tudo estivesse normal, para que aquele ente, que com muita dificuldade você havia convencido sobre os riscos do COVID-19, passe a se descuidar e ainda pensar que VOCÊ está usando a pandemia como desculpa para não visitá-los.

Torço para que os meus familiares que agem assim leiam este texto, mas provavelmente eles estão visitando meus pais e dizendo o quanto sou insensível... Continuarei fazendo o possível para preservar meus entes queridos, e não padeço da mesma sorte de Brás Cubas para escrever depois de morto, quero continuar vivo!

Escrever crônicas requer contato e calor humano. Dito isto, sofro com a falta de inspiração que me assola nas centenas de dias que passei isolado dentro de casa, longe dos esbarrões triviais que costumavam render assuntos para as crônicas que escrevia com certa frequência no Patos Notícias.

Poderia dizer que em meados de abril, ouvi uma vizinha dizendo que a quarentena, assim como outros acontecimentos bíblicos relevantes, perdurou por quarenta dias e serviria de reflexão para o ser humano. Mas ela poderia pelo menos entender, que a cada culto que ela realiza com os amigos, a quarentena começa novamente.

Aglomerar durante a pandemia a transforma num ciclo infinito, e que mesmo sendo filho de Deus, duvido que Jesus sobreviveria a outros quarenta dias de jejum no deserto. Falando no filho do criador, a dona da sorveteria ali da esquina me disse outrora que tudo isto está acontecendo porque Jesus está prestes a voltar.

Levando em consideração que Jesus morreu para servir de exemplo, não duvido que ele poderia estar entre os 773 mil dizimados pelo novo coronavírus. Não quero mais falar de religião, já sofri demais com o fanatismo religioso em torno do caso da menina de dez anos que engravidou após ser estuprada pelo tio.

O mesmo brasileiro que se diz pró-vida, não se solidariza com as mais de 108 mil mortes oriundas do COVID-19, mas se aglomera na porta de um hospital, para que uma criança, cuja inocência e infância foi despedaçada, dê luz a outra criança. Como se tolerar os estupros do tio por quatro anos não fosse sofrimento que bastasse.

E pensar que este acontecimento isolado colaborará para que novos extremistas se elejam durante as eleições municipais. E em Patos de Minas, pipocam os pré-candidatos – ou mesmo aqueles que cobiçam a reeleição - que se apoiam em máximas religiosas fundamentalistas. Enfim, não estou aqui para falar de política.

Sinto falta mesmo é de entrar numa padaria para comer pão de queijo e encontrar algum conhecido. Convidá-lo para se juntar e conversar fiado, e se o assunto não rendesse, falaríamos de como o clima estava quente e os assuntos triviais nunca seriam sobre o término dessa maldita pandemia.

Lembro de como eu odiava assistir shows e espetáculos culturais e perceber que as pessoas passavam a maior parte do tempo fotografando, filmando e transmitindo tudo aquilo ao vivo. Ninguém parecia estar ali de verdade e se todos fossem substituídos por tripés de celular, a experiência para quem via do outro lado da tela seria a mesma.

Ironicamente, o único artifício que restou para executar performances culturais é a transmissão ao vivo. Passo o dia desvencilhando da possibilidade de assistir alguma live no YouTube ou Instagram, e não quero em hipótese alguma me acostumar com o “novo normal”, termo talhado durante a pandemia que odeio com todas as forças.

Prefiro despender meu tempo com coisas que adoro, mas já que estamos falando de ódio.... As videoconferências pareciam tão inovadoras, práticas e surpreendentes nos filmes antigos de ficção científica, porém hoje em dia, eu morro de desânimo quando preciso participar de alguma.

Nunca fui de sair abraçando as pessoas. Mas abraçaria todas aquelas que fossem necessárias para que o mundo voltasse ao normal. Se isto algum dia passar, prometo até ser mais caloroso. No momento, eu só queria que a ideia de estar numa eterna partida de xadrez com a morte, ao melhor estilo bergmaniano, acabe.

Postar um comentário

3 Comentários

  1. Excelente reflexão Caio! Espero que passe logo! Novo normal, ócio criativo, é o cara*%$ haha

    ResponderExcluir
  2. Verdade Caio,o ser humano está a cada dia mais incrédulo de tudo,parece que realmente não acreditam que a covid mata,e não escolhe sua vítima.Estamos todos no mesmo barco furado e avariado.Que Deus tenha piedade de todos nós!

    ResponderExcluir
  3. Tempos difíceis! Realmente, Caio! Doenças fisicas se misturam com intolerância e ficamos desnorteados mesmo .

    ResponderExcluir

Obrigado por comentar!